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ARTIGO - Com a mão na massa, nos tempos do fogão a lenha  

  • Foto do escritor: Cefas Alves Meira
    Cefas Alves Meira
  • há 6 dias
  • 7 min de leitura

                                                                 Hamilton Gangana*

 


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A competição de guerra que existiu no efervescente mercado de vendas em BH foi identificada como “dinâmica de varejo”. Bemoreira, Ingleza Levy, Guanabara, Ducal, Mesbla, Dogali, Fidajo, Mobiliário Fiel, Floriano Nogueira da Gama, Casa do Rádio - A Televisão, Pep’s, São José, Sears e Baú da Felicidade fizeram história disputando clientes na área central, onde se concentrava o movimento, que evoluiu com Arapuã, Pão de Açúcar, Casas Bahia, Ponto Frio  e Magazine Luíza, mais o Carrefour e Sam’s Club, atuando na periferia nobre da cidade.

 Uma verdadeira guerra de foice no escuro!

 

Soubemos que a Bemoreira lançaria uma liquidação no domingo e já era uma quarta-feira. Acionado o alarme, a tropa, armada de arco e flecha, se preparou para o ataque com a explosiva Super Liquidação Ingleza Levy, nas 15 lojas de eletrodomésticos, móveis, roupas e utensílios, espalhadas nos principais pontos do centro.

 

A equipe definiu com a agência, em uma ação de guerrilha, as estratégias, o tema, os estoques, percentuais de descontos, as ofertas de “cabeça”; a lista dos produtos remarcados, os planos de financiamento, as instruções internas e o plano de mídia. Eu havia trocado de posição, saído da agência para atuar do lado do cliente, fazendo a ponte de integração cliente-agência de propaganda, procurando falar a mesma linguagem, a exemplo de grandes empresas.

 

Não havia computador, telefone celular,  comunicação via satélite, Google, redes sociais muito menos a IA. A televisão em preto e branco não contava com as mobilidades do “VT” e os jornais eram impressos com clichês de chumbo, também sem uso de cores.  Eram os tempos do fogão à lenha! 

 

Havia uma crise de papel e faltava material suficiente em estoque para a impressão de cartazes de preços, bandeirolas e peças necessárias para criar o clima de liquidação nas lojas; e já era sexta-feira. Pilhas de jornais velhos foram transformadas em bandeirolas, com a utilização de páginas inteiras impressas com pequenos anúncios - só os de linhas - com impressões fortes em vermelho e preto, nos dois lados.   

 

Encontramos numa gráfica montes de papel recortado, jogados no chão, em cores múltiplas, as chamadas aparas em tirinhas, provocando um efeito que nos chamou a atenção. Levamos os retalhos e criamos um clima improvisado com o papel picado no chão e nos próprios produtos em exposição. O improviso ficou barato, apenas os custos de carreto.  Um verdadeiro achado, que caiu do céu.

 

A agência criou anúncio de página dupla, table-top de ofertas, comercial ao vivo, spots e textos de rádio, painéis para as fachadas, caminhão de som, identificado e carregado de mercadorias para exposição ambulante nos bairros e vilas; bandeirão suspenso com arranjo de balões, a gás, coloridos, antes do jogo de futebol com distribuição de volantes no campo e nas ruas. Profissionais em mutirão, enfiaram a mão na massa, dia e noite, durante quatro dias intensos, movidos a inspiração e transpiração.  

 

Cansaço e muita ansiedade no domingo, hora de checar os reclames nos jornais, rádio e a televisão, policiar a concorrência e corrigir os possíveis erros e distorções com o objetivo de alcançar um retorno imediato, que tem que acontecer em liquidação. Chego na segunda-feira ao trabalho e encontro um recado urgente da secretária da diretoria, dizendo que o velho diretor e conselheiro queria falar comigo! Uma nuvem carregada passou pela minha cabeça: qual seria o motivo, um erro, alguma falha grave, qual a razão da chamada?              

 

Ao abrir a porta ouço a bronca do experiente e respeitado diretor em tom de repreensão: “Quer pôr fogo nas lojas? Já mandei recolher toda aquela papelada, muito perigosa! Foi um alívio, porque o diretor responsável direto pela área de comunicação, havia feito elogios um pouco antes, salvando o “incendiário” de um possível corretivo. A ideia intempestiva do maluco do papel picado foi consagrada pela concorrência, que passou a utilizá-la e sem motivo para se consultar o Corpo de Bombeiros… 


“Álbum de Melodias JMS” - programa de música erudita, líder de audiência, apresentado na PRC 7 - rádio Mineira, entre 12h30 e 13h30. Produção esmerada, apresentação firme com a voz de um locutor sóbrio que lia as legendas e anunciava, solenemente, os clássicos dos grandes mestres da música internacional.  Uma vinheta comercial delicada identificava a atração citando os créditos do Aquecedor JMS - o que melhor aquece. “JMS” são as iniciais do empreendedor industrial Joaquim Mariano da Silva.

 

Com as dificuldades comuns de se comunicar, na época, o apresentador chegou atrasado para cumprir o compromisso, sendo chamada, às pressas, uma locutora novata para substituir o titular. Sem tempo para receber as instruções, ao final da primeira música apresentada a locutora, insegura, disse que estava no ar o programa “Álbum de Melodias Jimis” (JMS), provocando espanto, surpresa e risos, tudo “junto e misturado”! O patrocinador ligou imediatamente, falando grosso e cuspindo marimbondo. “É inexplicável! Inacreditável! Um absurdo!...”

 

Ele estava coberto de razão, com a falha imperdoável que deixou todos perplexos. As explicações se perdiam no ar, com os ânimos exaltados e o programa em andamento. Ameaças de cancelamento, pedidos de desculpas pela falha difícil de se explicar. Afinal, o patrocinador “JMS” aquiesceu e achou por bem ouvir o seu idolatrado “Álbum de Melodias JMS” e discutir o assunto depois com a gerência da emissora. Certamente todos com a cabeça fria, sem a necessidade de panos quentes.

 

No lançamento da nova linha de televisores “Invictus” foi usada a imagem de uma garota “vendendo saúde”, vestida com um minguado saiote e soprando uma cornetinha que reproduzia o som agradável de uma fanfarra, nas peças de televisão e rádio do “Festival de TV Invictus Ingleza Levy”. Nas peças impressas, a garota aparece em foto bem produzida, exibindo o físico exuberante, um corpo perfeito, as pernas muito bem delineadas, aquela pose de porta-bandeira jovem e bonita, cobrindo de leveza os novos modelos de televisores “Invictus”.

 

O anúncio veiculado em um jornal de BH surpreendeu a todos, tal a desfiguração apresentada. O original foi grosseiramente alterado e publicado sem qualquer consulta à agência. Uma saia preta longa foi pintada por cima fazendo desaparecer o saiote, tirando a graciosidade e descaracterizando o anúncio completamente. Ficou uma marmota completa. O atentado cometido foi justificado por “ordens superiores” do jornal “O Diário Católico” e acabou virando motivo de chacota. Parafraseando um famoso narrador esportivo: “Pode isso, Arnaldo?”

 

Durante muitos anos a imprensa dominou o mercado como veículo de comunicação. Com circulação diária em BH, na década de 1960 havia o “Estado de Minas”, “Diário da Tarde”, “Diário de Minas”, “O Diário Católico”, “Diário do Comércio”, “Minas Gerais” (órgão oficial), “Tribuna de Minas”; o semanário “O Binômio”, aos sábados. Aos domingos, circulavam “Jornal de Casa”, “Jornal de Shopping”, “O Debate” e “Jornal de Domingo”; a tradicional revista mensal “Alterosa”, em cores, com circulação nacional. Tornou-se praxe as equipes  das agências de publicidade trabalharem a noite inteira de sexta para sábado, preparando os anúncios das edições de domingo.

 

Os anúncios de varejo eram liberados pelos anunciantes na última hora e a finalização lenta, dependente de fornecedores de composição gráfica, ilustrações demoradas, feitas manualmente por desenhistas; e as fotos, letra sete, foto-traços, tesoura e cola, na montagem, revisões, e produção de clichês para impressão. A forte concorrência gerava desconfiança e exigia sigilo absoluto na seleção e liberação das ofertas e planos de vendas. Nesse clima de trabalho e eterna vigilância, alguém conseguiu penetrar nas oficinas do maior jornal, numa noite de sábado, com a desculpa de “dar uma olhada e checar se a impressão dos reclames estava perfeita”. Outros passaram a fazer o mesmo e virou um entra e sai nas oficinas, prejudicando o trabalho e gerando tumulto e desconfiança.

 

Um anunciante chegou a enviar um anúncio de ofertas finalizado, mas com os preços em aberto, para ser completado na oficina. Certa noite de sábado vários publicitários foram flagrados na oficina pelo diretor-geral, que apareceu de surpresa e foi um Deus nos acuda!  Viu aquela situação absurda e não teve dúvidas: botou todos para fora aos gritos, lamentando a atitude irresponsável dos profissionais, e o chefe da oficina sendo acusado de fazer “vista grossa”. A notícia correu como uma bomba, mas não foram revelados os nomes dos que cometeram essa atitude condenável, mantida em segredo e “absoluto sigilo” até hoje!

 

Atuando no escritório comercial da rádio Guarani, passei a cuidar das gravações dos textos comerciais, seguindo as orientações das agências e prestando assistência aos corretores de anúncios. O trabalho serviu como aprendizado para mim, além de me tornar conhecido no meio publicitário. Huáscar Terra do Valle, da Starlight Propaganda, me chamou para trabalhar na agência como redator de RTV. De posse de alguns folhetos promocionais da linha de produtos Cônsul, tive que ler e reler para criar intimidade e criar o roteiro de um comercial ao vivo de 60 segundos, promovendo a venda de uma geladeira. Eu sabia que era um teste.

 

Redigi vários textos, apresentados um de cada vez, que foram lidos, avaliados, embolados e jogados no lixo. Desiludido, pensando até em largar tudo e desaparecer do mapa, voltei à velha Remington, coloquei o papel, fiquei olhando a paisagem e coçando a orelha. Nada! Veio um desespero, com prenúncio de choro. Voltei a ler o folheto da linha Consul e aí pintou uma luz no fim do túnel. Abri o comercial com a câmera em close total da garota muito alegre e sorridente, chamando a atenção da telespectadora para uma notícia sur-pre-en-dente!

 

A garota diz que se tratava de uma novidade de interesse de todos, principalmente para as donas de casa. E concluiu: “Olhem bem o que vou mostrar agora pra vocês!”. Em close total do congelador, aparece bonitão na tela um leitão inteiro, assado, dourado, decorado com alface, tomates, azeitonas, palmito e a boca cheia de farofa…foi aquele choque provocante! A garota explica: “Esta nova geladeira Cônsul, modelo X, tem o maior congelador que existe, onde cabe até um leitão inteiro! Olha ele aí! É de dar água na boca!...irresistível tentação!” (e completa com as informações adicionais do produto, as facilidades de financiamento, condições de venda e o nome da loja). No final, brinca dando uma mordida em uma lasquinha de pernil, para provocar o telespectador: “Aceita?”

 

O comercial foi aprovado, produzido, programado, apresentado e reapresentado muitas vezes pela garota Dulce Maria, da TV Itacolomi. O diretor de criação me perguntou como eu tive aquela ideia tão boa? “No folheto”, respondi! A ideia inusitada estava realmente no folheto, que mostrava o congelador da nova Cônsul e dizia que era o maior que existe na categoria, onde cabia até um leitão inteiro. A geladeira todos conheciam. O congelador ampliado era o diferencial do novo produto, que explodiu em vendas, provocando renovações seguidas do estoque na rede de lojas líder do mercado, a Ingleza Levy.

 

Fui cobrado duas vezes seguidas pelo diretor que me testou, se eu havia assistido o comercial na televisão. Fui aconselhado a acompanhar, por ser importante para aprimorar o trabalho. Repetida a cobrança, eu respondi que ainda não tinha aparelho de televisão em casa. A sorte é que eu trabalhava à noite na rádio Guarani e dei um pulo até o Café Palhares, que mantinha um aparelho ligado voltado para a rua. Assisti o “meu comercial” todo feliz e achei muito bom.  Aproveitei para degustar o sanduíche de pernil do Palhares, muito bom também!

 

Moral: Quem não tem televisão, nem Consul, degusta pernil no Café Palhares!

 

                                      (*) Hamilton Gangana é publicitário

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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