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ARTIGO - Mercado Central, Café Palhares e Mocó da Iaiá: antes e depois de “Subir Bahia e Descer Floresta” 

  • Foto do escritor: Cefas Alves Meira
    Cefas Alves Meira
  • 18 de jun.
  • 8 min de leitura

Atualizado: há 5 dias

                                                                Hamilton Gangana

Alguns compositores se identificam tanto com a sua terra, que a simples menção de seus nomes remete às coisas geniais que eles criaram e deixaram para a história. Noel Rosa (compositor, instrumentista e cantor-1910-1937) reportou, com criatividade, as raízes do samba de Vila Isabel (RJ); Dorival Caymmi (compositor, instrumentista e cantor-1914-2008) soube identificar os hábitos e costumes da boa vida na Bahia; Adoniran Barbosa (compositor, cantor e comediante-1910-1982) retratou o estilo de vida e o cotidiano das camadas pobres de SP; Lupicínio Rodrigues (compositor, cantor e boêmio-1914-1974) desnudou e cantou a realidade da “dor de cotovelo” no RS; mestre Capiba (advogado, compositor e instrumentista-1904-1997) consolidou o frevo e o samba originados de Recife, Olinda e Cia. (PE). Eles criaram obras primas que os tornaram admirados e reconhecidos.

 

Figura carimbada nas ruas de BH, o “compadre” Rômulo Paes transitava “pisando em ovos” - terno nos trinques, camisa branca, gravata alinhada, sapatos pretos - e a saudação informal: “Ô compadre”! Simples, amigo e carismático, Rômulo adorava a capital como ninguém.

 

Romulo Coimbra Tavares Paes (1918-1982) nasceu em Paraguaçu, sul de Minas: advogado, cantor, radialista, vereador, compositor, produtor, apresentador e boêmio com PHD. Casado com Maria Aparecida, deixou dois filhos, Cláudia e Marcos. Considerado o nosso principal compositor, Rômulo Paes representou bem o mineiro tranquilo e bom de prosa.

 

O “compadre” não tolerava indiferenças. Defendia os carentes, sempre um gentleman com as mulheres, atendia as pessoas com elegância, consciente da sua condição de pessoa pública. Ao ver alguém passar dos limites, reprovava: “Quê que isso, compadre”! Levava sempre no bolso um punhado de balas para agradar às crianças e aproveitava aquele instante para dar conselhos aos pequenos.

 

Rômulo voava feito um beija-flor, bebericando em vários locais, do Mercado Central pousava no Café Palhares, - e seguia dando bicotas, no Pólo Norte, Cantina do Alvim, Rosário, Gruta Metrópole, Cavalo Branco, até chegar ao Mocó da Iaiá. Cercado de amigos, radialistas, jornalistas, artistas, cantores, instrumentistas e fãs, liderava o imprevisível grupo etílico-musical “Despencados do Purgatório”, contrapondo com os profissionais “Caídos do Céu”, “Demônios da Garoa”, “Anjos do Inferno”, “Os Cariocas” e “Bando da Lua”.

 

Assinavam o ponto no Mocó, entre outros, Euro Arantes, Gilberto Santana, Gervásio Horta, Wander Piroli, Aníbal Fernandes, Paulo e Antônio Papini, Flávio de Alencar, Célius Áulicus, Mário e Aristides Amaral, o professor Hilário com o inseparável violão, e o jornalista Jader de Oliveira tirando “som na caixa de fósforos”, como o cantor Cyro Monteiro.  Participei de algumas rodadas, dos casos e das risadas, das geladinhas e da parada para degustar o mexidão do Silveira (o dono), com as sobras do almoço, linguiça e torresmo de barriga.

 

Rômulo costumava aparecer no Mocó em finais de semana. Sempre acompanhado de artistas que vinham a BH e davam um bordejo na cidade, ciceroneados por ele: Nelson Gonçalves, Lupicínio Rodrigues, Orlando Silva, Carmen Costa, Roberto Silva, Ataulfo Alves, Stanislaw Ponte Preta, Rose Rondelli. Estes e muitos outros conheceram o Mocó, uma casa bem simples demais, nos fundos de uma loja, no centro da cidade.

 

Filho de Waldemar Tavares Paes, professor de Filosofia da Música do Conservatório Mineiro, Rômulo morava no bairro de Lourdes e tinha dois irmãos jornalistas, Maurílio e Marcelo Tavares. Começou a carreira em 1935, cantando sambas e “batendo chapéu de palha” - na época em que o rádio ainda era mal visto, considerado reduto de desocupados.

 

Na rádio Guarani, produziu e apresentou, aos domingos de manhã, o infantil “Gurilândia” e “A Hora do Recruta”, programas de calouros, que buscavam talentos. Durante a semana, à tarde, fazia o musical “Discoteca lá de Casa” e encerrava o expediente com o pioneiro “Clube da Meia Noite”, o alegre curiango da madrugada. Assumiu a direção artística da rádio Guarani e foi diretor geral da rádio Mineira.

 

Rõmulo Paes, amigo de cantores famosos das época, compôs músicas que ficaram na história
Rõmulo Paes, amigo de cantores famosos da época, compôs músicas que ficaram na história

Frequentador assíduo do Rio, antiga capital federal, Rômulo tornou-se amigo dos maiores nomes da Era do Rádio. Em 1950, na gravadora Odeon, gravou um 78 rpm com a cantora que ele mesmo descobriu em Belo Horizonte, a quem dera um conselho: “Seu lugar é no Rio, Vicentina”. Vicentina de Oliveira é o nome de batismo da grande cantora Dalva de Oliveira. O samba ”Sebastiana da Silva” foi o seu primeiro sucesso nacional, criado pelo Rômulo: “Morava lá num casebre/ Bem no alto da pedreira/ Sebastiana da Silva/com a profissão de copeira”…

 

O samba-canção “Conceição” (Dunga e Jair Amorim ), maior sucesso e marca registrada do intrépido Cauby Peixoto, lançado em 1956, com selo Colúmbia, tem o enredo muito semelhante ao de “Sebastiana da Silva”, com versos do Rômulo, gravados seis anos antes. Rômulo fez parcerias com Ary Barroso, Adoniran Barbosa, Henrique de Almeida, Haroldo Lobo; com os seus conterrâneos Gervásio Horta, Celso Garcia, Aníbal Fernandes, Ely Murilo Cláudio, Bentinho, Jair Silva, Orlando Cavalcanti, Waldomiro Lobo, Jadir Ambrósio, Vicente Lima, Roberto Andrade, entre vários outros.

 

O compositor mineiro compôs sambas e marchinhas de carnaval, fox trots, sambas clássicos, baiões, valsas, toadas, hinos para América, Atlético e Cruzeiro; criou canções de Natal, de festas juninas e em homenagem a BH. Muitos artistas surgiram graças ao incentivo, um “empurrão” dado pelo padrinho Rômulo e chegaram lá: Isnard Simone, Gilberto Santana, Caxangá e Sanica, Neide e Nancy, Flávio de Alencar, Luiz Cláudio, Célia Vilela, Curió e Canarinho, Helena Ribeiro, e diversos outros.

 

Descobriu personagens e inventou frases e melodias, atento ao jeito simples e aos cochichos dos mineiros: “José e Maria”:”Toda preta é Maria/Todo preto é José/Às vezes quando varia/Ele é José Maria/Ela é Maria José.“Santo Antônio: “Santo Antônio de Roças Grandes /Eu vou lá sexta feira que vem””Camisolão”: “Tô, tô,tô de camisolão/A mulher depois das dez/Passa a chave no portão”“Compadre José”: “Ah! Se você conhecesse o meu compadre José/Conversa/Conversa/ Conversa /E nunca que sai café”!... ”Asilada”: “Não sei se é paixão meu bem/Ou amor profundo/Sinto saudade de alguém/Que nasceu para mim neste mundo/Hoje ela vive distante”... ”Minha Belo Horizonte”: “Belo Horizonte sorri pra mim/Belo Horizonte, cidade jardim/Nossos poetas/Em versos tão belos”!..:Rua da Bahia”: “Eh, eh Maria/ Está na hora de ir pra rua da Bahia/As águas já rolaram/Na rua da Bahia/Mais do que em Três Marias”...    

 

A “Marcha das Flores” (1954), foi um grande sucesso carnavalesco interpretado por Orlando Silva, o Cantor das Multidões: “Eu era apaixonado  pela Rosa/Depois apareceu a Margarida/Gostei da magnólia mais formosa/Hortência sempre foi a mais florida/Bem me-quer/Mal me-quer/ Essa flor é a mulher”... Rômulo gravou com artistas do nível de Marlene, Linda Batista, Luiz Gonzaga, Dalva de Oliveira, Orlando Silva, Carlos Galhardo, Dircinha Batista, Joel de Almeida, Vanja Orico, João Bosco, Alaíde Costa, Ellen de Lima, Blecaute, Emilinha Borba, Jorge Veiga, Titulares do Ritmo, Gilberto Alves, Alcides Gerardi, Anjos do Inferno e Inezita Barroso.

 

Gervásio Horta, parceiro e amigo de Rômulo Paes, teve a ideia de erguer um monumento em homenagem ao compositor, que faleceu com apenas 64 anos de idade, em 1982. Com projeto criado pelo arquiteto Gustavo Penna e apoiado por um pool de empresas, que viabilizaram a obra na rua da Bahia, esquina com a avenida Álvares Cabral, inaugurada há 30 anos (14/06/1995), gestão do prefeito Patrus Ananias.

 

A Usiminas forneceu o aço, a Iluminar a iluminação, a PBH o material, o BDMG Cultural os recursos financeiros, e a EPO a construção civil. Um painel de aço, com seis toneladas de peso, 7,5m de altura, 3,69m de largura e 1 polegada de espessura, exibe, com letras em alto relevo, a frase símbolo do compositor: “A minha vida é esta, subir Bahia e descer Floresta”. A área foi batizada como praça Rômulo Paes. Em 2003 foi inaugurado, na rua da  Bahia, 1759, junto à praça da Liberdade, o condomínio residencial Edifício Rômulo Paes.

 

Na solenidade de inauguração, Gervásio Horta, amigo pessoal, e Celso Garcia aproveitaram para anunciar e cantar o samba que criaram em homenagem ao Rômulo: “Subir Bahia e descer Floresta”: “Estamos sentindo sua falta/ Na cidade alta/Vem queremos a presença sua/Em nossa rua/Vem participar da nossa alegria/Vem Rômulo Paes/Vem pra rua da Bahia/Hoje Belo Horizonte está em festa”... Foi um momento de pura emoção.

   

Considerada a “porta de entrada da capital”, a rua da Bahia liga a praça da Estação Ferroviária (Rui Barbosa) ao Palácio da Liberdade, passando pelo Viaduto Santa Tereza, Parque Municipal e avenida Afonso Pena, unindo o bairro Floresta ao Centro-Sul, Lourdes e bairro Santo Antônio. No corredor funcionaram o Parc Royal (super loja de departamentos e de artigos importados), Cine Teatro Metrópole, Cine Guarany, Casa da Lente, Mesbla, Cisa, Floriano Nogueira da Gama, Casa do Rádio, Ponto Frio, Pep’s, Sears e Shopping Bahia; o Grande Hotel (edifício Arcângelo Maletta), e Hotel Itatiaia; a Câmara Municipal, Coletoria Estadual, os Bancos Mercantil, Mineiro do Oeste e do Progresso, as rádios Mineira e Guarani. A basílica de Lourdes, Hotel Metrópole, Teatro Cidade, Academia Mineira de Letras e  Associação Mineira de Imprensa (AMI) continuam na rua da Bahia.

 

O Minas Tênis Clube, Clube Belo Horizonte (prédio do Museu Inimá de Paula), as livrarias Francisco Alves, José Olímpio e Itatiaia, colégios Estadual Ordem e Progresso, Izabela Hendrix, Imaculada, Afonso Arinos, Tito Fulgêncio, Afonso Celso e Minas Gerais. Instituto Cultural Brasil Estados Unidos, os restaurantes Colosso, Estrela, Elite, Trianon, La Greppia, Gruta Metrópole e Cantina do Lucas. A farmácia Cassão, Dora Modas, Casa Giácomo, Bomboniere (casa de balas Suíça), Superbol, Café Bahia, sapataria Central, 104 Tecidos, Gruta Olímpia - empórios, casas de chá, charutaria e engraxataria, ponto nobre para dar um lustre nos sapatos. Subiram e desceram a rua da Bahia os bondes elétricos Serra, Santo Antônio, Carmo-Sion e Diogo de Vasconcelos (Savassi), até 1963, quando foram extintos.

 

Tudo acontecia no principal corredor cultural e comercial, a rua da Bahia, ou em um lugar bem próximo:  Automóvel Clube, Bar do Ponto, Othon Palace, Casa do Jornalista, Churrascaria Camponesa, Hotel Del-Rei, Pelicano; Teatro Francisco Nunes, Xodó, Estâncias Califórnia, Pizzaria Giovanni, Bazar Americano, Confeitaria Nacional, boate Chez Rohan e a Feira Hippie, aos domingos. No entorno, os jornais Estado de Minas e Diário da Tarde, Imprensa Oficial, Folha de Minas, Diário Católico, e a Cia.Telefônica, Prefeitura, os Correios, a Escola de Direito da UFMG.

 

Rômulo escreveu que “As águas já rolaram na rua da Bahia”...local do shopping a céu aberto, ponto de encontro de escritores, poetas, jornalistas, artistas, intelectuais e empresários: Pedro Nava, Fernando Sabino, Rubem Braga, Emílio Moura, Carlos Drummond de Andrade, Milton Campos, JK, Abgar Renault, Murilo Rubião, Hélio Peregrino, Cyro dos Anjos, Aníbal Machado, Gustavo Capanema, Otto Lara Resende, João Alphonsus. Rômulo Paes morou, conviveu, bebeu, cantou, subiu Bahia e desceu Floresta, saboreando os bons tempos das folias, confetes e serpentinas, das farras do ótimo carnaval que a “Banda Mole” não deixou desaparecer.     

 

 O “compadre” punha apelido em tudo que via e adorava recitar frases, provérbios e ditados: “Bom pro sapo é a sapa”, “A cigarra canta e a formiga faz a conta”, “Em rio que tem piranha, malandro nada de costas”, “Cachorro mordido de cobra, tem medo de linguiça”; “Quem não tem tacho fundo não compra cabeça de boi”, “Passarinho que dorme com morcego, acorda de cabeça pra baixo”, “Passa ontem, que hoje estou ocupado”, “O sol nasceu pra todos e a sombra pra quem merece”, “À noite todos os gatos são pardos”.  

 

Encerrava o programa “Clube da Meia Noite” bem a seu estilo: “Agora, vou pro Café Palhares degustar, com o meu amigo Minervino, aquele delicioso kaol…boa noite e até logo mais”. Aí surgia a voz forte de Dorival Caymmi cantando a canção de ninar que o compositor baiano criou para homenagear a filha recém-nascida Nana Caymmi: “Boi, boi, boi/Boi da cara preta/Pega essa menina/ Que tem medo de careta”…

 

Frequentadores remanescentes do famoso Café Palhares, retornam para matar as saudades e degustar o gostoso “PF” servido desde 1938, sempre no mesmo endereço. O “compadre” Rômulo, um dia apareceu, provou a iguaria, gostou e sapecou o apelido, que entrou para a história: Kaol (cachaça, arroz, ovo e linguiça).

 

      (*)Hamilton Gangana é publicitário (Colaborou Gervásio Horta)

                    

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