Hamilton Gangana*

Com talento de sobra, o pernambucano Luiz Gonzaga (Gonzagão), misto de gênio, cantor, compositor e sanfoneiro, em parceria com Zé Dantas, fizeram uma mistura sonora de sanfona, zabumba e triângulo para “A Dança Do Baião”: “Agora tá tudo mudado/Em vez de polca e rancheira/O povo só pede e só dança/ Só pede e só dança o baião/Baião, baião”...(1950). Lembrando os trajes do histórico cangaceiro Lampião, cantando e tocando sanfona, acompanhado de instrumentistas e cantores, ensinou que era a hora de virar o disco com um balanço novo, um ritmo sensual para a moçada sacudir o esqueleto de um jeito diferente. Deu certo e assim foi lançado o Baião, que o Brasil inteiro admirou, cantou, dançou e nunca mais esqueceu - e hoje, faz parte do repertório brasileiro.
A técnica de Luiz Gonzaga foi a mais simples possível, para vender o novo produto: criatividade e foco no público cativo do rádio, o veículo de massa mais popular, que reinava absoluto na época. E Luiz Gonzaga era contratado da gravadora RCA Victor e da Rádio Nacional do RJ, líder absoluta de audiência e uma das maiores emissoras do mundo. Hoje, as coisas seriam bem diferentes, há um leque imenso de opções de mídia e de técnicas sofisticadas, o que geraria um estudo profundo de especialistas, em estratégias de marketing, no direcionamento dos objetivos em um mercado reconhecidamente muito concorrido.
Alguém poderia argumentar que “Luiz Gonzaga é ídolo e vende fácil”. Vende, sim, mas outros também vendem. Para vingar, o produto tem
que ser muito bom, diferenciado, a estratégia deve ser a mais correta e o momento oportuno. O consumidor não pode se sentir ludibriado, provoca efeito contrário. Há uma frase que sintetiza bem: “A pior coisa que pode acontecer é uma boa propaganda para um produto ruim”. E a máxima é válida para qualquer tipo de produto ou serviço anunciado, em qualquer tempo ou lugar.
Aos 19 anos de idade, Luiz Gonzaga foi escorraçado pelo pai de sua namorada, que não gostava dele, que partiu para o Ceará, levando apenas a sua sanfona. Voltou 16 anos depois (1946), já artista profissional e surpreendeu o velho pai cantando, na porta da velha casa, em Exu, onde foi criado e lançou a sentimental “Luiz, respeita Januário”!...
Reconhecido no Brasil e no exterior, LG foi agraciado pela Lei 14.793, em 2019, tornando-se um dos “Herois da Pátria”, por divulgar a cultura nordestina. Dá nome ao “Festival de Forró Luiz Gonzaga”, em Sergipe; foi tema do maior carnaval do mundo no Rio e em SP, identifica a Usina Hidrelétrica Luiz Gonzaga, em Petrolândia (PE); há bustos e estátuas, com sua figura, no RJ, Exu e Caruaru; empresta seu nome a várias ruas e avenidas no país e ao “Museu Luiz Gonzaga”, (PE) com instrumentos, discos, trajes, objetos pessoais, fotos,troféus, reportagens e livros sobre sua vida e obra.
Luiz Gonzaga do Nascimento (1912-1989), natural de Exu, PE, foi um dos mais destacados nomes da rica música popular brasileira, como cantor, compositor, instrumentista e intérprete de variados ritmos: xaxado, toada, xote, maracatu, coco, quadrilha, baião e forró do pé da serra, influenciando muita gente como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Fagner, Elba Ramalho, Dominguinhos e tantos outros. Foi uma das primeiras vozes a chamar a atenção para as agruras nordestinas, através da música, como Asa Branca: “Quando oiei a terra ardendo/ Qual fogueira de São João/Eu perguntei/A Deus do céu, uai/Por que tamanha judiação”... Foi campeão nacional de vendas por 9 anos, de 1946 a 1955, cantando sucessos que o Brasil consumiu do Oiapoque ao Xuí: Vida de Vaqueiro, Juazeiro, Xote das Meninas, Cintura Fina, Baião de Dois, Vozes da Seca, ABC do Sertão, Buraco de Tatu, Amanhã Eu Vou, Açucena Cheirosa, Vida de Viajante, Respeita Januário (1946): “Quando eu voltei lá no sertão…Luíz respeita Januário/Luiz respeita os oito baixos de seu pai”… entre inúmeros outros grandes sucessos.
O inigualável Gonzagão tem história com Minas Gerais. Como servidor do Exército brasileiro, o soldado Gonzaga foi corneteiro em Juiz de Fora, atuou em Belo Horizonte e serviu em Ouro Fino, no sul de Minas, durante 4 dos 9 anos anos em que foi militar. Seu filho, o cantor e compositor Gonzaguinha residiu, com a família, durante boa temporada na Pampulha. Fez muitos shows na TV Itacolomi, rádio Guarani e em cidades próximas, com uma partner de estatura alta e um cantor-instrumentista baixinho, que Gonzaga anunciava como “o custo de vida e o salário mínimo”! e provocava risadas na plateia. Após longa turnê, em BH e entorno, gravou (1956) o xote dos mineiros Jair Silva e Jadir Ambrósio “Buraco de Tatu”: “Não bote a mão em buraco de tatu/Que é muito perigoso/É preciso ter cuidado”...muito executado.. De Celso Garcia e Rômulo Paes (1958), eternizou, via RCA Victor a toada “Açucena Cheirosa”: “Quem quiser comprar eu vendo/ Açucena cheirosa do meu jardim”... regravada por Rolando Boldrin e Tino Gomes, entre outros registros.
Procurei Luiz Gonzaga em São Paulo, no início dos anos 1980, período em que passava por certo ostracismo com o crescimento do axé, do pop-rock, do reggae africano e do sertanejo. Fui muito bem recebido por ele, com a proposta de ancorar uma campanha nacional do governo do Estado de Minas Gerais, comandado pelo piauiense Francelino Pereira dos Santos (1921-2017). Era a primeira vez, na história, que uma reunião oficial da SUDENE seria realizada fora do ambiente norte/nordeste, mais precisamente, em Montes Claros-MG. Entusiasmado com a ideia, LG prontificou-se a fazer até o impossível, caso necessitasse. Gravou uma mensagem de saudação aos mineiros, sob acordes da sua sanfona, a exemplo da que faria, oficialmente, em uma das peças de lançamento da campanha. A mensagem foi exibida, de surpresa, abrindo a apresentação com a presença do governador, causando impacto e curiosidade. “Alô, Minas Gerais, alô governador Francelino Pereira, alô Vale do Jequitinhonha: estarei junto com vocês, na próxima reunião da SUDENE, pela primeira vez na bela Montes Claros”!
O “Rei do Baião” nos confidenciou: “Adoro Minas Gerais, servi ao Exército em Juiz de Fora, Belo Horizonte e em Ouro Fino. Meu filho, o cantor Gonzaguinha, a mulher e meus netos também moraram em BH, uma cidade muito boa. Vou cobrar menos do que costumo receber pelo trabalho”! Farei essa campanha com uma alegria da peste”! Ficamos impressionados com a simplicidade do mestre Gonzagão..
A campanha estava prevista para ser apresentada no Palácio das Mangabeiras, às 7 horas da manhã. Chegamos ao local uma hora antes, para montar a parafernália do audiovisual e fazer um teste. Tudo pronto, aguardamos o governador e equipe, até por volta das 8 horas. Ao chegarem, aconteceu o inusitado: a porta de entrada foi aberta e fechada repentinamente, e o governador ficou do lado de fora. Foi um choque. Ele esbravejou: -“Como é que vamos trabalhar numa sala infestada desse jeito, contaminada por fumaça de cigarro, é pura nicotina! Um absurdo. Eu nunca fumei, nunca bebi”! E retornou em direção a seu gabinete, acompanhado de assessores. Ficamos todos perplexos.
Resolvida a pendenga, a campanha foi apresentada, considerada muito boa, bem elaborada e com elogios a Luiz Gonzaga, um nome muito bem lembrado, respeitado e identificado com os problemas e mazelas do norte/nordeste. Um achado. Após discussões e avaliações sobre o
formato e abrangência da campanha, passamos a avaliar o plano de mídia e os custos de produção. Correu tudo bem, até que o governador indagou e ficou sabendo o valor do cachê cobrado por Luiz Gonzaga. - “O quê? Um absurdo! Não temos dinheiro para pagar um cachê tão elevado. Não pago. O governo está sem caixa, devendo salários aos servidores, atrasado com os salários aos professores”!
Foi como jogar água na fervura. Argumentamos, mas não conseguimos vender os serviços profissionais de Luiz “Lua” Gonzaga, que daria um recado com a cara e sotaque nordestino e o jeitinho mineiro, com a credibilidade e competência de um ”monstro sagrado”! O trabalho foi desenvolvido pela Hoje Publicidade, a partir de uma ideia luminosa do publicitário Pedro Fonseca. Com muita tristeza, demos o recado a Luiz Gonzaga: a campanha foi considerada excelente, brilhante, e você foi bastante elogiado. A reunião da SUDENE está confirmada, será feita em Montes Claros, na data prevista, com uma campanha nossa, mas agora tá tudo mudado!
(*) Hamilton Gangana é publicitário
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