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Foto do escritorCefas Alves Meira

Uma conversa no verão de Manhattan

Atualizado: 21 de mai. de 2020

Juliana Perdigão*


Atravessar a ilha com um ciclista, levando livros e imagens sobre Minas Gerais, não estava nos meus planos de viagem. Na semana mais quente da história de Nova York desisti de disputar um taxi para não perder a hora. Eu estava a passeio, mas aceitei um convite para uma palestra no Brazilian Endowment for the Arts onde brasileiros expatriados costumam se reunir. O tema da conversa comigo: saudades de casa.

Mostrei algumas reportagens, falamos de história, patrimônio, gastronomia, mas deixei para o final cenas que seriam exibidas depois de uma pergunta: qual é a sua maior saudade? Separei imagens de montanhas, pratos típicos de várias regiões e lugares familiares para eles. Para quem está longe do Brasil a tanto tempo esse seria um presente em alta definição. Seria.

Um artista plástico que mora há mais de 10 anos na cidade foi o primeiro a falar: “sinto saudade das pessoas de Minas que te chamam para entrar, te levam até a cozinha, e fazem a gente se sentir em casa".

"Fiquei sem imagens o que,para uma repórter de TV,é quase tão ruim quanto ficar sem palavras"

A resposta me paralisou. Séculos de cultura e história foram resumidos numa única frase e eu precisava admitir: não tinha essa imagem. Talvez ela nem exista. É que a saudade de ser recebido e se sentir em casa é saudade de afeto. Esse é um jeito de ser, quase um estado de espírito de Minas Gerais. Fiquei sem imagens o que, para uma repórter de TV, é quase tão ruim quanto ficar sem palavras.

Naquela tarde de calor infernal em Nova York, falamos sobre o que refresca a alma. O tempo para estar com os filhos, a disposição de encontrar os amigos, a conversa desinteressada, a natureza.

Além dos brasileiros, estavam ali alguns americanos e um canadense. Olhando para eles, minha vontade foi de fazer um alerta. Vamos e convenhamos, é preciso pensar bem antes de visitar uma casa mineira. Ninguém vai sair dessa experiência como entrou.

O café coado na hora, o queijo que maturou sem pressa são requintes para paladares apurados na simplicidade. E a comida servida com generosidade numa mesa sem pratos quadrados? Depois de algumas horas numa cozinha de Minas, as máscaras caem e algo parece fora do lugar, provavelmente é você mesmo. Deslocado, o jeito é se entregar a um tipo de conversa quase em extinção: em que se ouve sem a necessidade de opinar, em que há pausa, escuta e silêncios. Se chegar a esse estágio de intimidade, fuja sem olhar para trás. É que a essa altura não importa quantos países conheça ou quantas línguas você fale: todos são iguais.

Preferi não alardear ninguém. Na hora de encerrar a conversa no Brazilian Endowment for the Arts percebi uma movimentação no fundo da sala. Uma pequena mesa foi montada e o dono de um restaurante brasileiro levou pão de queijo, cafés mineiros, quitutes improvisados com os ingredientes que eles conseguem importar.

Quando dei por mim, já estava lá conversando, comendo, ouvindo as histórias deles enquanto fui tomada por um pensamento estranho. Esse conjunto de coisas que fazem bem à alma, não sei não. Desconfio que seja uma estratégia bolada pelos matutos moradores do vales e montanhas de Minas como forma de se tornarem inesquecíveis. Seja você quem for carregará para sempre essa saudade.

Só isso explica a despedida que presenciei ali. Entre abraços calorosos, vi expatriados fazendo planos e marcando mais encontros. E eu, ainda no primeiro dia da viagem, me senti acolhida, estava completamente em casa, no meio de Manhattan.

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