Hamilton Gangana*

Um encontro especial registrou os 100 anos de nascimento de José Celso Gomide, o Celso Garcia (1924-2002), promovido por sua família, na Sociedade Recreativa Palmeiras, clube em que foi presidente por 5 vezes. Encontraram-se familiares, amigos e admiradores do cantor, compositor, jinglista, boêmio e gozador; amigo, contador de causos, técnico em óptica e empresário, dono da Ótica Celso Garcia, na rua da Bahia. Lembrando a sua infância, CG compôs e cantou a melodia “Eh! Ponte Nova”: “Minha eterna namorada/Minha terra açucarada/Minha doce Ponte Nova”...), inspirada na cidade das goiabas, da goiabada cascão, da garapa e da branquinha pura de cana caiana e do rio Piranga, em cujas águas deu as primeiras braçadas, tornando-se campeão de natação pelo América, seu clube do coração.
Ponte Nova, na zona da mata mineira (60 mil habitantes, IBGE-2024), terra do eminente ex-governador Milton Campos (1898-1955), do criativo cantor e compositor João Bosco (1935), e de José Reinaldo de Lima (1957), o super craque Reinaldo, maior jogador da história do Galo, em seu tempo, com 475 partidas e 255 gols marcados, entre outros pontenovenses ilustres.
Foi aberto o acervo de documentos e curiosidades, com entrevistas, cartas, fotos, objetos, músicas, jingles e distribuído o livro “Não Há Entre Nós Um Paralelo”, da historiadora graduada pela UFMG, Regina Belisário, com a narrativa da vida e a trajetória artística de Celso Garcia, seu pai. Foram vistas e revividas as criações e sucessos de carnaval, a exemplo de Santa Tereza: “Foi pra Santa Tereza/ Que aquela beleza, o bonde pegou”... (1956); Praça Vaz de Mello, “Não há entre nós um paralelo/Eu na praça Vaz de Mello”…(1957). Luiz Gonzaga gravou “Açucena Cheirosa”, (1958): “Quem quiser comprar eu vendo/ Açucena cheirosa do meu jardim/ Vendo cravo, vendo lírio”...A singela toada, em parceria com Rốmulo Paes, passou a fazer parte do repertório do Rei do Baião e ganhou outros registros, além de versões com Rolando Boldrin, Tino Gomes, Pinto do Acordeon.
Celso Garcia transitou, com destaque, durante anos, na área da comunicação, criando jingles, vinhetas e trilhas sonoras, atendendo às demandas das agências de propaganda, anunciantes, estúdios de gravação, emissoras de rádio e televisão. Fez trabalhos para Perfumaria Lourdes, Bemoreira, Luder, TV Itacolomi, Rádio Itatiaia, Abdalla, Ingleza Levy, Pep’s, Mobiliΰario Fiel, Rádio Inconfidência, Prefeitura de BH, Governo do Estado e para o político mineiro Juscelino Kubistchek de Oliveira, JK, candidato a presidente da República. Criou jingles e vinhetas para partidos políticos e para candidatos a cargos públicos em inúmeras campanhas eleitorais. Ninguém duvida da importância que teve o jingle criado por CG para a Starlight Propaganda lançar um novo anunciante na praça: “O Abdalla é fogo na roupa/Ninguém sabe a força que ele tem”... A campanha caiu no gosto popular e o Abdalla, pequena loja na rua Caetés, transformou-se num exemplo a ser seguido, pela concorrência, tamanho o resultado obtido.
Num trabalho da ASA para a Prefeitura de BH, gestão de Oswaldo Pieruccetti, a “Operação Nova BH-66”, CG inovou com um jingle marcante, gravado no RJ, com acompanhamento de orquestra e interpretado por seis cantores mineiros diferentes, cada um com seu estilo, anunciados pelo locutor Marco Antônio França: “E agora: (nome do intérprete) - “Você vai colaborar/Com a Nova BH/Ajude a modernizar/Sua nova BH-66/Os jardins estão florindo”... Geny Morais, Helena Ribeiro, Celso Garcia, Léo Belico, Gilberto Santana e a “Turma da Jovem Guarda” participaram da bem sucedida campanha, cujo tema virou uma coqueluche. O ex-prefeito Oswaldo Pieruccetti (1909-1990), enviou uma carta ao autor do jingle, elogiando a criatividade da peça e fazendo agradecimentos, em nome da cidade.
Da Starlight Propaganda, onde eu atuava, liguei para o Celso e falei, rapidinho: Celso, pensei num jingle para o do Dia das Mães, só que a campanha já foi aprovada, pelo cliente, sem jingle. Você conseguiria criar um jingle “pra ontem”? Poucas horas depois, o Celso liga: “Hamilton, tá pronto, ouça aí! “O presente da mamãe/está na Ingleza Levy/A mamãe vai ficar contente/Com o presente/ da Ingleza Levy”. Melodia fácil, utilizando a frase-tema da promoção, com a interpretação única e tocante de uma criança, a sua filha Regina. A curta promoção bateu recordes de vendas.
Regina Belisario, autora do livro “Não há entre nós um paralelo” (Alis Editora, 2013), conta que CG fez, a pedido, um jingle para a campanha de JK candidato à presidência da República, sem cobrar um tostão: “Sei que você sabe/Mas aqui vai um lembrete/Um amigo seu/Vai morar lá no Catete”... Celso musicou a vinheta de televisão mais lembrada: “TV Itacolomi/Sempre na liderança/Canal 4/ Belo Horizonte/ Minas Gerais”. Outra vinheta histórica, criada por CG (letra), foi para as jornadas esportivas da Itatiaia: “A Itatiaia vai entrar de sola/Vai pegar na bola/E vibrar com você”... O lendário radialista Oswaldo Faria (193O-200O), abria as transmissões, que eram sinalizadas pelo hino característico, com o burburinho efervescente de milhares de torcedores, em casa e nas arquibancadas das arenas.
O segmento Rádio, com eficiência, agilidade e rapidez, foi a escola do aprendizado de Celso Garcia, que sempre surpreendia com o seu “Tá pronto”! Num brainstorming, os criativos ficam excitados, à procura da melhor ideia a ser trabalhada. Lembro-me de que, num encontro na agência, o briefing era o relançamento do programa de prêmios “Boliche Ingleza Levy”, na TV Itacolomi e pintou a ideia de se criar um jingle. A luzinha se acendeu indicando a febre musical do momento: a bossa nova. E saiu um jingle leve e sincopado, na linha rítmica do gênio João Gilberto: “Bossa nova é jogar Boliche/ Ganhar um Volks e sair por aí/Bossa Nova é a facilidade /Que toda a cidade/Tem na Ingleza Levy.” Pegou como um visgo e ganhou elogios até de um representativo semanário de oposição “O Binômio”, que não tinha hábito de fazer gracinhas para ninguém.
Celso Garcia criou a letra, a música e dirigiu a gravação da mensagem de Natal-1966, com o Coral Ingleza Levy, formado por funcionários da então maior rede de varejo de BH, na igrejinha da Pampulha. Vale dizer que o Coral tinha apenas seis meses de ensaios, com planejamento e regência da maestrina Marilene Ferreira, sob inspiração do Coral Mesbla, do RJ. Tive a ideia de criação e atuei no Coral, mas logo me transferi para a ASA Publicidade. Por obra do destino, a maestrina adotou o nome Marilene Gangana, ao dizer “Sim”, ao padre Hilário Meeke, em janeiro de 1969, para casar com o publicitário Hamilton Gangana, autor destas linhas.
Em meados dos anos 1960, o carnaval em BH estava muito devagar, quase parando. Um cronista carioca escreveu que, para se fazer um retiro espiritual, o ideal seria hospedar-se, num bom hotel no centro de BH, perto da igreja de São José, igreja de Lourdes e do santuário da Boa Viagem… Criamos uma campanha de incentivo ao carnaval, com mensagens alusivas à maior festa popular, com boletins informativos no rádio e um programa semanal temático-musical, ao vivo, na TV Itacolomi. Na avenida Afonso Pena foram instalados dois palanques, com som local, para receber os músicos, que tocavam para o povo sambar à vontade. No clima, um animado jingle carnavalesco, com coro e orquestra: “Carnaval, alegria/ Sorria, sorria/ Ingleza Levy participa com você/ Da vida feliz/De um povo que diz/É mais fácil comprar na Ingleza Levy!”. Criação e direção do mestre carnavalesco Celso Garcia.
Era constante o lado brincalhão e moleque do Celso, sempre com uma paródia, um caso, a piadinha nova. Ao chegar para um happy-hour na Gruta Metrópole, a turma do gargarejo, pediu que ele cantasse a paródia do jingle da campanha de um amigo comum do grupo, que pretendia ser prefeito. Celso soltou a voz, em alto e bom som: “Eleição no Brasil é uma bosta/Bosta por bosta/Vote em Vasconcelos Costa”. Houve um baita sururu, em seguida. O conhecido político estava bebendo cerveja, no salão dos fundos, ouviu tudo e partiu pra briga. Custou aceitar que era apenas mais uma brincadeira do irrequieto Celso. Felizmente, os ânimos se acalmaram com os proveitosos panos quentes.
E o Celso me ligou: “Hamilton, a loja tá pronta. Abre amanhã”! Feliz da vida, disse que iria funcionar até às 8 da noite. E completou: Faz um slogan aí pra mim. - “Tá pronto”! - “Ótica Celso Garcia, você compra de noite e enxerga de dia”! (Risadas). Brincalhão, cantarolava um jingle, que nunca seria veiculado. Era uma paródia em cima do jingle do antiácido famoso: Alka Seltzer existe apenas um…Ele parodiou: “Ótica Celso, existe apenas uma…”
Esse era o José Celso (o “Nego de Saquita”), de Ponte Nova, o personalíssimo Celso Garcia, da sua amada Terezinha (1930-2022), do saudoso filho Celsinho (1953-1984), e das dedicadas filhas Regina Célia e Tereza Cristina; dos genros Márcio (falecido) e Túlio e os netos Leonardo, Ana Luíza e Tatiana; Paula, Fernando e Bernardo; os bisnetos Bruno e Francisco. Se ainda estivesse entre nós, Celso Garcia teria um bom motivo para criar uma nova melodia sentimental: o nascimento dos bisnetos gêmeos Helena e Arthur, em maio de 2025.
Pena que ele não esteja mais entre nós, para celebrar com aquele estilo CG de ser.
(*) Hamilton Gangana é publicitário
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