Hamilton Gangana (*)

O irônico humorista, cartunista, escritor, dramaturgo, jornalista e tradutor Millôr Fernandes (1923-2012) escreveu há décadas em seu hilariante “Pif-Paf”, na revista “O Cruzeiro”, que o humorismo surgiu em sua vida quando nasceu e o seu nome foi registrado com um erro de caligrafia do cartório. É o único Millôr no mundo.
Afirmou que seus pais queriam tanto ter um filho chamado Milton, e seu irmão mais novo foi batizado com esse nome. E completou dizendo que nasceu em 16 de agosto de 1923, mas só foi registrado 9 meses depois, em maio de 1924. Foram 9 meses para ser concebido e mais 9 para ser reconhecido.
Bem, eu, Hamilton, fui matriculado na escola municipal José Bonifácio, em Santa Tereza, como Hamilton Guedes Gangana, nascido em 16 de agosto de 1935, de acordo com o diploma de conclusão em 12/12/1947.
Com o diploma e a certidão de nascimento, matriculei-me no ginásio Afonso Celso, turno da noite. Estava em aula, quando fui chamado à secretaria para ser alertado sobre algumas mensalidades em atraso. Houve gozação na sala: Paga! Paga! Paga!...E aconteceu uma surpresa. Só aos 13 anos de idade descobri que meu nome correto era Hamilton Gangana (sem o Guedes), e 15 de setembro, a data de nascimento (e não 16 de agosto).
Para se livrar de multa, meu pai alterou a data para 15 de setembro, e cravou Hamilton Gangana. Ele jamais comentou isso comigo. E ninguém conferiu, muito menos eu. Para o colégio, eram dois alunos, um deles inadimplente.
“Que saudades da professorinha/Que me ensinou o beabá”... Partes da chorosa composição de Ataulfo Alves, que nos lembra o grau de intimidade entre alunos e professoras primárias, principalmente no interior. Nas “provas de passar”, na 4a. série do primário, as professoras eram trocadas de classe para se sentirem isentas, mais à vontade. Em uma dessas provas a examinadora aproximou-se da minha carteira e soltou: “sua prova está linda, perfeita, mas não consigo imaginar um aluno da 4a. série que não sabe escrever o próprio nome”! Colocou a mão sobre a minha e rabiscou, soletrando: “Gon-za- ga”! Os próximos colegas de sala gritaram: Né Gonzaga não, professora, é Gangana mesmo! - O quê, Gangana? Onde sua mãe arranjou isso, menino?
Hoje, minha resposta seria: na África!
Eu e o colega Mário Lúcio saímos de um animado barzinho do Maletta e entramos na sossegada boate Chez Rhoan, distante apenas dois quarteirões e encontramos um amigo, da casa, “sob nova direção”. Era cedo e um grupo de jovens cantores, muito à vontade, fazia um ensaio descontraído. Fomos apresentados aos cantores, um a um. Meu amigo Mário Lúcio... Meu amigo Hamilton…Muito prazer, muito prazer Hamilton Gangana. A única mulher do grupo virou-se para mim e exclamou: Gan gannnn gana! Vo.. você é ééééé ga gago, ééé gago… tam..tam bém é ga go? (Risos) - Eu disse, é o meu sobrenome, Gangana. Ela repetiu: éééé ga ga gago, sim! (rizadas). A moça falava gaguejando, tentava explicar e ficou nervosa. Deu um branco e o gerente sapecou: sai mais uma geladinha aí pro Gan gan gan na! Só fez piorar a situação… a menina deixou a roda e saiu pisando duro.
Fui atraído por uma fotolegenda numa edição de domingo de “O Globo”, com o título Coral Mesbla faz sucesso no Joá. Mostrei o recorte ao dono da grande rede de varejo, onde eu trabalhava, que retrucou: “está querendo criar um coral aqui”? Confirmei e, pouco tempo depois, a cobrança: “Você desistiu do Coral”? Estava à procura de um especialista para assumir a tarefa, quando, também num domingo, ouvi vozes harmoniosas, chegando em casa, cantando “Marcha para o Oeste”. Uma surpresa. Eram meus jovens irmãos Aníbal, Antonino (falecido), Amaziles e Lívia, retornando da missa na capela de Santa Luzia, no bairro Paraíso.
Eles participavam do coral da capela, “regido por uma moça muito inteligente”, que morava nas proximidades. Convidei a moça, mas, infelizmente, a resposta foi negativa, com a justificativa de que a sua prioridade, naquele momento era se preparar para as provas de admissão ao Conservatório UFMG. Logo depois a jovem musicista aceitou, por insistência minha, quando eu soube de que ela recebia aulas de preparação, duas vezes por semana, que se encerravam às 18h30m, no edifício Cartacho, a apenas dois quarteirões da sala reservada para os nossos ensaios, na rua Tupinambás com avenida Afonso Pena.
Com seis meses de preparação, o coral gravou, em fita, na igrejinha de São Francisco, na Pampulha, o jingle com mensagem de natal da Ingleza Levy, criada por Celso Garcia e veiculada em emissoras de rádio de BH. Tenho o acetato com o selo da mineira Bemol, a gravadora de Dirceu e Afrânio Cheib, trabalho dos então dois meninos Haroldo e Paulinho, criadores do Studio HP.
Em outubro de 1966 fui contratado pela ASA Publicidade, de Edgard Melo e Hélio Faria, para integrar a equipe responsável pela criação das campanhas de lançamento e sustentação da superloja de departamentos Pep’s na rua da Bahia. As campanhas, transformaram-se em dois grandes sucessos - comercial e publicitário - conquistando, por dois anos seguidos (1967-1968), o Prêmio de Melhor Campanha Nacional de Varejo, instituído pelo JB - “Jornal do Brasil”, editado no RJ.
Eu nunca deixarei de reconhecer a importância da aprendizagem que adquiri em duas escolas fundamentais que frequentei na vida profissional: a pioneira Starlight Propaganda, de Orlando Junqueira, e a audaciosa empresa, para a época, a rede varejista dos irmãos Benzion, Isaías e Jayme Levy. Fizeram e aconteceram.
Graças à criação do Coral Ingleza Levy, e a afinidade musical de meus irmãos, acabei ganhando um presente de Deus. Em 31 de janeiro de 1969, a competente maestrina e professora Marilene Ferreira passou a chamar-se, oficialmente, Marilene Gangana, ao dizer sim e casar-se com o publicitário Hamilton Gangana, em cerimônia realizada na capela do Colégio Santo Antônio, sob as bênçãos do saudoso holandês frei Hilário Meeke.
Hamilton e Marilene são pais de Hamilton Júnior, Hélcio e Pollyanna e avós de Sofia, Isabella e Lucca. Felizes para sempre. Vale lembrar um fato que causou surpresa e espanto em nosso casamento. A noiva interpretou três números especiais para a ocasião, nos momentos apropriados. Mas como foi isso, casar e cantar? A bonita voz da mezzo-soprano Marilene, acompanhada por solo de órgão, foi gravada na Bemol em um possante gravador a fita, que, ligado ao som da igreja, permitiu a façanha inédita.
O amigo Ricardo Parreiras foi quem operou a máquina e aproveitou para gravar a cerimônia oficiada por frei Hilário. Com emoção e surpresa, o gravador foi ligado 25 anos depois, na celebração de nossas bodas de prata, na Paróquia N.Sra. da Divina Providência, no bairro Ouro Preto, em 1994.
(*) Hamilton Gangana é publicitário
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